segunda-feira, janeiro 29, 2007

-É para agora ou quer que embrulhe?


Sobrevivi à noite eighties onde nostálgicos imitavam robots na pista, aspirantes a músicos acompanhavam solos de órgãos eléctricos com uma guitarra invisível nas mãos; raparigas revivalistas de olheiras fundas disfarçavam-nas nas casas de banho com muito pó e algum blush imbuídas do espírito “sex, drugs and rock and roll”. Sobrevivi até ao “Funky Cold Medina”!
De manhã, procurava conforto e carinho nos pastéis de nata da pastelaria mais próxima e acabei por encontrar uma reflexão sobre o sentido da vida. É verdade!
“É para agora ou quer que embrulhe?” – isto dizia-me o empregado, enquanto eu lhe prestava atenção, demasiada até. Desde os movimentos dos lábios que articulavam o seu bigode farto (um dos melhores espectáculos de marionetas que já vi, diga-se) até à extremidade do seu braço onde a pinça apertava o pastel expectante.
Era o momento de viragem, tinha aprendido muito nessa noite.
Embrulhar para quê? Para mais tarde? A massa folhada já não ia estar estaladiça, o creme não ia estar quente. Não! Só existo agora, quando faço e experimento, não sei o que é o futuro. Embrulhar é adiar o que eu sou, o que posso ser. Claro que não verbalizei este discurso no mínimo estranho para o senhor da pinça. Aceitei-o com dois guardanapinhos que diziam “Bom Apetite” e fui embora.
Aprendi isto, porque conheci alguém muito especial. Subitamente, a meio da noite, quando a música estava mais apoteótica, a transpiração mais agressiva, as pisadelas mais frequentes, enfim, tudo do melhor… o Tempo interrompe o seu fluxo. Tudo pára. Sid Vicious que arrasava com “Anarchy in UK” deslizou suavemente para o piano e começou a tocar a melodia do célebre filme da Disney: “ Someday my prince will come”. As pessoas começaram a dançar valsas por entre borboletas e pássaros tropicais que de repente invadiram a sala. E eis que a spotlight descobre-o (sem ele se aperceber, claro). A minha intuição feminina confirmava as suspeitas que eu vislumbrara no seu olhar ternurento (que ele lançava ao fazer um cigarro… apesar dos seus óculos graduados e do seu cabelo até às sobrancelhas). Mas Vicious cansou-se do piano e da voz de falsete e voltou ao punk, os pássaros e borboletas voltaram ao filme e as pessoas voltaram aos anos 80.
Ouvia-se “ She’s lost control”, e os meus movimentos coreográficos à Ian Curtis não combinavam muito com o quadro de amor romântico novecentista que esboçara há algum tempo atrás. Embriagada pela música e pelos dois finos deixei-me guiar pela onda epiléptica. Quando a música mudou e voltei a abri-los já a voz da Cindy Lauper invadia o espaço, e para minha surpresa não era só a Cindy! O meu princípe da Disney e o seu amigo também. Depois do meu desgosto de desenho animado, confesso que até gostei de o ver saracotear as ancas e agitar os ombros para o namorado. Juntei-me a eles, aos saltinhos e gritinhos, invadida pelas palavras daquela grande líder espiritual:

- OH, GIRLS, JUST WANNA HAVE FU-UN!


Digam Não ao Embrulho!

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