domingo, janeiro 14, 2007

O que é que conto quando conto?, por Clarissa Pinkola Estés


Há muitos modos de abordar as histórias.

O estudioso profissional do folclore, o analista freudiano, junguiano ou de outra corrente, o etnólogo, o antropólogo, o teólogo, o arquólogo, cada um tem um método diferente, tanto na compilação das histórias como na aplicação a elas atribuída. (...)

Em termos viscerais, porém abordo as histórias como cantadora, contadora de histórias, guardiã das velhas histórias. Venho de uma linhagem de contadoras: mesemondók, velhas húngaras que contam as suas histórias sentadas em cadeiras de madeira com as suas carteiras no colo, as pernas abertas, as saias a tocar o chão... e cuentistas, velhas latinas que ficam paradas de pé, com os seus seios fartos, ancas largas, gritando histórias num estilo ranchera. Os dois clãs contam histórias na voz natural das mulheres que vivenciaram famílias e filhos, pão e ossos. Para elas, uma história é um medicamento que fortifica e recupera o indivíduo e a comunidade.
As modernas contadoras de histórias descendem de uma comunidade imensa e antiquíssima composta de santos, trovadores, bardos, griots, cantadoras, chantres, menestréis, vagabundos, megeras e loucos.

Uma vez sonhei que estava a contar histórias e sentia alguém a dar-me palmadinhas no meu pé para me incentivar. Olhei para baixo e vi que estava em pé nos ombros de uma velha que me segurava pelos tornozelos e sorria para mim. "Não, não" disse-lhe eu". " Suba nos meus ombros, a senhora é velha e eu sou nova." "Nada disso" insistiu ela. "É assim que deve ser".
Percebi que ela também estava em pé nos ombros de uma mulher ainda mais velha do que ela, que estava nos ombros de outra mulher que usava manto, que estava nos ombros de outra criatura, que estava nos ombros... Acreditei no que disse a velha do sonho a respeito de como as coisas devem ser. (...) Se existe uma única fonte das histórias e um espírito das histórias, ela está nessa longa corrente de seres humanos. (...)


Adaptado de

Mulheres que correm com lobos

Clarissa Pinkola Estés

1 comentário:

Anónimo disse...

Querida netinha Tânia. Obrigada pela visitinha e pelas suas doces palavras.Volte sempre. Abraços carinhosos da vovó Apparecida para você e para os portugueses que são nossos irmãos.Amo Portugal!!!

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