quarta-feira, fevereiro 21, 2007

Capítulo Terceiro (derradeiro e triunfal) de A Puta de Mensa de Woody Allen


Fotografia de Joana Lorça, cortesia de Nilson




Caros leitores,

Peço desculpa pelas taquicardias, tremores e espasmos provocados ao não ter cumprido a promessa da publicação do último capítulo.
Talvez as "brasileiras" de collants tenham perdido a sua doçura saltitante no sambódromo, e a cerveja vos soubesse a canja de galinha, certo? Eu sei que a ansiedade é muita, mas vale a pena a espera:


Entrei na livraria do Hunter College. O vendedor, um jovem de olhos sensíveis, veio ter comigo.
- Posso ajudar?
- Ando à procura de uma edição especial de Advertisements for Myself. Parece que o autor mandou imprimir uns milhares com rebordos dourados para os amigos.
- Vou ver – disse ele. – Temos uma linha verde para casa do Mailer.
Olhei-o fixamente.
- Foi a Sherry que me mandou- disse eu.
- Ah, nesse caso, passe lá para trás – disse. Carregou num botão. Abriu-se uma parede forrada de livros e eu entrei como um cordeirinho nesse trepidante palácio do prazer conhecido por Flossie’s.
Papel de parede vermelho com uns relevos e um décor vitoriano davam o tom. Raparigas pálidas e nervosas, de óculos de aros pretos e cabelo cortado a direito esparramavam-se indolentes em sofás, folheando livros de bolso da Penguin Classics, provocantes. Uma loura com um grande sorriso piscou-me o olho, indicou, num aceno de cabeça, um quarto no andar de cima e disse: “Wallace Stevens, hã?” Mas não eram só experiências intelectuais – também ofereciam experiências emocionais. Disseram-me que por cinquenta dólares se podia “ter uma relação de intimidade”. Por cem, a rapariga podia emprestar-nos os seus discos de Bartok, jantar e depois deixava-nos a vê-la ter uma crise de angústia. Por cento e cinquenta, podia-se ouvir FM com gémeas. Por três notas, tinha-se o tratamento completo. Uma judia morena e magrinha fingia ir buscar-nos ao Museu de Arte Moderna, deixava-nos ler a tese de mestrado, metia-se connosco numa discussão de gritos no restaurante Elaine’s sobre a concepção freudiana das mulheres, e depois fingia um suicídio à nossa escolha – o serão perfeito, para alguns. Bela negociata. Grande cidade, Nova Iorque.
-Gostas do que vês? – disse uma voz atrás de mim. Virei-me e de repente dei de caras com o cano de um .38. Tenho o estômago forte, mas desta vez deu uma volta e tanto. Era mesmo a Flossie. A voz era igual, mas Flossie era um homem. Tinha a cara escondida por uma máscara.
- Não vais acreditar – disse ele -, mas nem grau académico tenho. Fui expulso por ter más notas.
- É por isso que usas máscara?
- Engendrei um plano complicado para assumir o controlo da New York Review of Books, mas para isso tinha de me fazer passar pelo Lionel Trilling. Fui ao México fazer uma operação. Há um médico em Juarez que dá às pessoas as feições do Trilling – e isso tem um preço. E correu mal. Saí de lá parecido com o Auden com a voz de Mary Mc Carthy. Foi quando comecei a trabalhar à margem da lei.
Muito depressa, antes que ele pudesse premir o gatilho, entrei em acção. Lançando-me para a frente, dei-lhe com o cotovelo na queixada e agarrei na arma, enquanto ele caía para trás. Tombou por terra como um saco de batatas. Ainda estava a choramingar quando a polícia chegou.
- Bom trabalho, Kaiser – disse o sargento Holmes. - Quando despacharmos este tipo, o FBI quer ter uma conversa com ele. Uma coisita que mete uns jogadores profissionais e um exemplar anotado do Inferno de Dante. Levem-no, rapazes.
Mais tarde, nessa noite, procurei uma antiga cliente minha chamada Gloria. Era loira. Tinha-se formado cum laude. A diferença é que se tinha licenciado em educação física. Soube-me bem.


FIM

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