terça-feira, fevereiro 13, 2007

Capítulo Primeiro (e inaugural) de A puta de Mensa de Woody Allen

Fotografia de Joana Lorça, cortesia de Nilson


Com este conto de Woody Allen vamos encetar uma nova era neste blog: a era do folhetim. Como a nossa capacidade leitora fica visivelmente mais reduzida neste formato do que em livro, vou publicar alguns contos com a técnica folhetinesca, isto é por capítulos.

Li este conto na fantástica revista de contos Ficções, de Luísa Costa Gomes, era uma edição especial só com contos humorísticos.


"A Puta de Mensa (The Whore of Mensa), originalmente publicado no New Yorker, foi depois incluído no primeiro livro de Woody allen, Without Feathers (1975). Existe tradução portuguesa, Sem penas, Bertrand, 1981. O título do conto brinca com a Sociedade Mensa, fundada em Inglaterra em 1946 por Roland Berril e Lance Ware. Mensa é uma sociedade para muitíssimos inteligentes, sendo único requisito para admissão um quociente de inteligência que se situe nos 2% do topo."


Isto há uma coisa quando se é detective, tem de se aprender a seguir os nossos palpites. É por isso que, quando me entrou pelo escritório um tremebundo monte de banha de nome Word Babcok e pôs as cartas na mesa, eu devia era ter confiado no arrepio que me subia pela espinha.
- Kaiser? – disse ele.- Kaiser Lupowitz?
- É o que diz a minha licença – admiti.
- Tem de me ajudar. Sou vítima de chantagem. Por favor!
Tremia como o cantor de um conjunto de rumba. Empurrei um copo pelo tampo da secretária e uma garrafa de uísque de malte que tenho sempre à mão para fins não medicinais.
- E se te acalmasses e me contasses tudo?
- Você… não diz à minha mulher?
- Sê franco comigo, Word. Não prometo nada. Tentou servir-se de uísque, mas ouvia-se o tilintar do outro lado da rua, e a maior parte do líquido foi parar aos sapatos.
- Eu trabalho - disse. – Manutenção mecânica. Construo e distribuo joy buzzers. Está a ver – aquelas brincadeiras que dão choques às pessoas quando nos apertam a mão.
- E?…
- Há montes de executivos que gostam. Especialmente ali para a Wall Street.
- Vamos ao que interessa.
- Ando muito na estrada. E sabe como é… sinto-me só. Não é o que está a pensar. Percebe, Kaiser, basicamente sou um intelectual. É claro que um gajo pode conhecer todas as bimbas que quiser. Mas uma mulher mesmo cerebral… não se encontra assim do pé para a mão.
- Continua.
- Bem, ouvi falar de uma rapariga. Dezoito anos. Estudante em Yassar. Paga-se um tanto e elea vem discutir um tema qualquer… Proust, Yeats, antropologia. Troca de ideias. Está a ver a ideia?
- Nem por isso.
- Ou seja, a minha mulher é óptima, não me interprete mal. Mas não discute Pound comigo. Ou Eliot. Não sabia isso quando me casei com ela. Preciso de uma mulher que seja estimulante, Kaiser. E estou disposto a pagar por isso. Não quero uma relação… quero uma experiência intelectual rápida, depois quero que a rapariga se vá embora. Que raio, Kaiser, sou casado e sou feliz.
- Há quanto tempo é que isto dura?
- Seis meses. Sempre que sinto desejo, ligo à Flossie. É uma Madame, com mestrado em Literatura Comparada. E ela manda-me uma intelectual, percebe?
Portanto, era um destes tipos cuja fraqueza é mulheres muito inteligentes. Tive pena do pobre coitado. Calculei que devia haver muitos brincalhões na mesma situação, famintos por uma pouca de comunicação intelectual com o sexo oposto, e haviam de pagar fortunas por ela.
- Agora ela ameaçou contar à minha mulher- disse ele.
- Quem?
- A Flossie. Puseram o quarto do motel sob escuta. Têm fitas gravadas em que eu discuto The Waste Land e Styles of Radical Will e, bem, chegando a uma discussão profunda. Querem dez mil, ou vão falar à Carla. Kaiser, tem de me ajudar! A Carla morreria se soubesse que não me excitava cá em cima.
O velho negócio das call-girls. Tinha ouvido uns boatos de que os rapazes na sede andavam atrás duma coisa que metia um grupo de mulheres cultas, mas ficou tudo em águas de bacalhau.
- Liga aí à Flossie.
- Quê?
- Vou pegar no caso, Word. Mas ganho cinquenta dólares por dia, mais despesas. Vais ter de consertar muitos joy buzzers.
- Não me vai custar dez mil, isso de certeza – disse ele. Num sorriso, levantou o auscultador e discou o número. Tirei-lho e pisquei o olho. Começava a gostar dele.
Segundos depois, respondia uma voz sedosa e eu disse-lha o que queria:
- Parece que me pode ajudar a combinar uma hora de boa conversa – disse.
- Claro, querido. Qual era a tua ideia?
- Gostava de discutir Melville.
- Moby Dick ou os romances mais curtos?
- Qual é a diferença?
- O preço. Só isso. O simbolismo é pago à parte.
- Quanto é que isso me custa?
- Cinquenta, talvez cem para o Moby Dick. Queres uma discussão comparativa… Melville e Hawthorne? Podia arranjar-te isso por cem.
- Quanto à massa, tudo bem – disse eu e dei-lhe o número de um quarto no Plaza.
- Queres loira ou morena?
- Faz-me uma surpresa – disse eu e desliguei.


Continua no próximo capítulo...

2 comentários:

Joana Lorça de Oliveira disse...

Obrigado pela apreciação pelo meu trabalho! beijinhos

Miguel de Sá Sotomaior disse...

Adoro esse conto! Como os demais de Woody Alen, é espetacular. E assume um significado especial para um meneando (como eu).
Muito bom!