sexta-feira, março 24, 2006

Páscoa e Detergentes



Lembro-me de quando era miúda existir um ritual que me intrigava e que se veio a perder. Intrigava-me porque era uma manifestação exclusivamente feminina, (mas só na casa das mães dos meus amigos) e depois porque verificava que era um fenómeno das pequenas cidades.


Pois, isto dito assim até parece que sou uma gaja urbana, mas sou é natural da província, e como tal vou relatar o que acontecia por alturas da Páscoa e que para grande infelicidade minha (e das empresas de detergentes) já não acontece mais.
Duas ou três semanas antes da Páscoa as senhoras abriam guerra contra a sujidade em geral. Era uma maratona de limpezas que terminava no Domingo de Páscoa com a chegada do Nosso Senhor regado na Cruz –não quis dizer pregado mas sim regado!- de cuspo dos beijos de sei lá quantos lábios peganhentos!
E na casa o cheiro do incenso que os ajudantes do padre (semelhantes a ajudantes do Pai Natal, sempre pequeninos e vermelhinhos da pinga ingerida pelo caminho) traziam no turíbulo misturavam-se com a lixívia, verniz, Pronto, Bondex e cera do chão.


Mas linda era essa tradição em que a competição feminina era levada ao rubro para mostrar quem tinha a casa mais limpa. Para grande desgosto meu, a minha mãe nunca foi partidária dessa ideologia higienista e lembro-me de no tempo das vacas gordas ser a mulher-a-dias que entrava no campeonato pela minha mãe, uma espécie de duplo. Ora não era a mesma coisa! Havia uma falta de autenticidade nas minhas afirmações:
-Hoje arrastamos o aparador da sala! –dizia eu com um ar estafado e os meus amigos viam logo que aquilo era um grande coro, porque na realidade aquele plural aplicava-se à Dona Adelaide (magrinha, mas cheia de energia). Nessa altura ficava sem ninguém para brincar.

Até os rapazes eram mobilizados em função de portas a serem envernizadas, só eu tinha longos tempos de ócio!
Foi assim que tive tempo para descobrir as diferenças entre o pecado da cidade e o pecado da aldeia (e para roubar um dos perfumes da minha avódrasta e ler Emanuelle; os meus primeiros pecados de Páscoa!).
É que quando ia visitar a Titi ao Porto, o panorama era o mesmo, nada de stress, nada de limpezas extra, apenas se pensava na ementa dos dias festivos.


Percebi logo tudo!
Na aldeia as mulheres tentavam sintonizar com o sofrimento de Cristo acartando grandes baldes de água para lavar terraços e escadas, pintar divisões até ficar com insuportáveis hérnias discais, tudo em prol da dor, tudo para expiar os pecados. E se a casa estivesse limpa e arrumada assim estaria a sua alma e a da sua família. Assumiam o cargo de xamãs e purificavam a tribo toda.


Na cidade essa visão utópica já estava em desuso, o existencialismo entrara nos costumes. A Titi gostava era da festa e isso de limpar a casa ou limpar a alma estava adormecido pelas gargalhadas, pelo cheiro do cabrito assado, pela música estridente, enfim pela Vida. Afinal a Páscoa é a celebração da vida e não só da morte, não é?

Agora nestes dias que a antecedem sinto a nostalgia dos cheiros dos produtos de limpeza, dos gritos desalmados das mães das vizinhas: - Ó Guiiiiiiiiiiiiida!, e do sorriso sarcástico quando passavam pela filha da pecadora que não levava a cabo a tarefa da limpeza da Quaresma. Que saudades desse hábito tão português! Ainda bem que sobreviveu o outro! O do pecado da Páscoa!

Hoje não me apetece limpar a casa de banho, talvez vá pecar um bocadito.

quarta-feira, março 22, 2006

Vacas e Livros


O que é que as vacas e os livros têm em comum?
Em Salamanca há uma editora que nos explica tim por tim essa ligação misteriosa.
Afinal os livros são seres vivos!
A editora só podia ter este nome: Media Vaca.
Se quiserem ver e comprar alguns livros passem pela livraria Navio de Espelhos em Aveiro.

La vaca es animal más extraordinario que existe. Nos la comemos con patatas, hace bonito en el campo y es fuente de inspiración para artistas y poetas. Uno de los estómagos de la vaca se llama libro, y no debe extrañarmos, porque el libro es el segundo animal más extraordinario. Lo manchamos de salsa, hace bonito en las estanterias y a través de él nos llegan regularmente las ocurrencias de artistas y poetas. La vaca es un ruminante: se traga el alimento para más tarde devolverlo a la boca y masticarlo con tranquilidad. Exactamente de esa forma se deberían leer los libros: volviendo a ellos en diferentes ocasiones y masticándolos a fondo para asegurarnos una digestión placentera.
Los niños aprenden con los libros, pero también con las piedras, las moscas, las hormigas y las arañas. Aprenden con todo. Aprenden jugando. Y no se cansan de aprender. Por eso es absurdo que existan libros aburridos y que se se pierda tiempo con ellos en lugar de dedicarlo a observar a los escarabajos peloteros. Algunos de los más aburridos están hechos por gente con mentalidade de sastre que cree que los libros para niños deben ser como los trajes para niños: varias talles más pequeños. La mirada inocente del niño nada tiene que ver con los pantaloncitos. Si no se entiende todo, qué más dá? Pocos adultos pueden explicar por qué vuelan los aviones y sin embargo no tienen miedo a viajar en ellos.

Depois de ler este texto estivemos a tecer longas considerações teóricas sobre Literatura Infantil num grupo de adultos chatíssimos onde só a Francisca (de 6 anos e desatenta a tudo, pelo menos parecia...) estava presente, e pôs-nos uma rolha com:
- Então, as vacas eram iguais aos livros porquê? Por serem pretas e brancas?

terça-feira, março 21, 2006

Quinta de Contos


Que não vos caia da "alembradura":
No dia 6 de Abril de 2006, pelas 22h, abrem-se as portas do Ateneu de Coimbra (perto da Sé Velha) para receber mais uma noite de Quinta de Contos. A primeira parte cabe aos contadores da Camaleão e a segunda parte é só para o nosso convidado, contador de histórias do filão mais tradicional: José Craveiro.

domingo, março 19, 2006

Anywhere on this road


Foto de Anselmo Santos
Minas Gerais- Chegada de Brasileiros repatriados

I live in this country now
I’m called by this name
I speak this language
It’s not quite the same
For no other reason
Than this it’s my home
And the places i used to be far
from are gone

You’ve travelled this long
You just have to go on
Don’t even look back to see
How far you’ve come
Though your body is bending
Under the load
There is nowhere to stop
Anywhere on this road

My heart is breaking
I cannot sleep
I love a man
Who’s afraid of me
He believes if he doesn’t
Stand guard with a knife
I’ll make him my slave
For the rest of his life

I love this hour
When the tide is just turning
There will be an end
To the longing and yearning
If i can stand up
To angels and men
I’ll never get swallowed
In darkness again

You’ve travelled this long
You just have to go on
Don’t even look back to see
How far you’ve come
Though your body is bending
Under the load
There is nowhere to stop
Anywhere on this road

Lhasa de Sela

Vivam as ampulhetas, relógios de sol, pêndulo e até clepsidras!


Foto de: Miguel Vieira
http://www.olhares.com/



Nunca uso relógios. Pesam-me nos braços, marcam-me a pele, não a deixam respirar e contrariam os movimentos botânicos.
Então nunca uso relógios.
Agora sei que eles não servem para nada, nem sequer para medir o Tempo. Funcionam como diapasão de miudezas. Quando quero saber quanto Tempo passou da minha vida olho para as caras das pessoas que me rodeiam, apalpo a ausência daqueles que já não estão.
Sei exactamente quantos risos, abraços, beijos, soluços, lágrimas passaram desde esses momentos até hoje.
E foi assim que descobri um segredo: O Tempo varia como o tempo; tem estações e tudo!
Às vezes ele flui tão rápido que nem damos conta, evola-se; outras hesita em passar, faz-nos esperar. Descubro nesta forma de viver, uma teoria revolucionária: se queremos que a vida passe ligeira, breve, é só vivê-la feliz. É uma estação amena de sol brilhante.
Agora... teremos a eternidade na tristeza, e o Tempo será abundante nessa estação de monções... para decobrir o Amor, o Desgosto e até a nova Teoria da Relatividade.
Sabem, depois de escrever isto, começo a simpatizar com relógios.
Ajudam-nos a brincar aos deuses e a fazer de conta que traçamos o nosso destino.

Manifesto Tricontadeiro


O que é Tricontar?

Vem de longe, de quando eu era pequena e via que a minha mãe com agulhas nas mãos fazia camisolas, toalhas, carapins e ao mesmo tempo da boca saíam-lhe histórias...
Isso é tricontar, um ritual só reservado às mulheres e quase a perder-se.
Hoje há três grandes forças na nossa vida: as linhas, lãs e linhos; as histórias e muito carinho pelas nossas raizes.
Textum quer dizer tecido, diz Roland Barthes, e nós Ariadnes, nós Aracnes, nós Penélopes, nós Parcas vamos unindo a nossa vida às palavras a aos afectos.
Tricontadoras de todo o mundo,uni-vos!